30/09/07

indo para o leito

John Donne,
poeta - 1572/1631

ELEGIA: indo para o leito

Vem, Dama, vem que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.

Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado.
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
o que ele guarda, quieto, tão de perto.
o corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.

Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens Tu, meu anjo, és como o Céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
o que o meu anjo branco põe não é
o cabelo mas sim a carne em pé.

Deixa que minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima em baixo, entre.
Minha América! Minha terra  à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha Mina preciosa, meu Império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
onde cai minha mão, meu selo gravo.
        Nudez total! Todo prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
o olho de tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.

Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
        Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.

Silvio D'Amico