31/08/07

não render-me ao ilusório

Um importante poema de Bruno Tolentino
(1940 - 2007)

D´O CASTELO INTERIOR

Não saberei, Senhor, se era possível
evitar o degredo ensimesmado,
se ao coração sedento de invisível
e cedo emparedado em seu quadrado
de febre, de impureza e de impossível,
fora talvez possível, por um lado,
escapar à masmorra, ou preferível,
por outro, haver crescido encarcerado.
Sei que duro é o exílio e que difícil
a arte de, nos pulsos tendo algemas,
escalar pedra a pedra o precipício.
Sei quanto é frio o fogo em que nos queimas,
que renitente a lenha e quão propício
teu cadafalso às almas mais extremas.

Não permitas, Senhor, que a minha carne
se confunda outra vez e eu me atrapalhe
e caia como cartas de baralho
o castelo em que entrei para salvar-me.
Teresa, castelã, valha o que valha
o meu fervor, o meu fragor de armas,
sustentai-me, rogai que eu não desarme,
que não se apague o fogo meu, de palha,
talvez, mas seja palha de fogueira;
fogo de auto-da-fé, se necessário,
mas fogo irrevogável, se primeiro
hei de arder que render-me ao ilusório.
E se hei de merecer algum martírio
tanto mais duro quanto o assédio é sério.

Silvio D'Amico