11/07/07

ideologia

Texto de Claudio Andrés Téllez

É comum que as pessoas confundam "ideologia" com "ideário", "convicção" ou "doutrina". Um ideário, ou um conjunto de idéias a respeito de algum tema ou problema, pode ou não ser ideológico. Em geral, um ideário pode representar um conjunto de diretrizes que ajudam a situar em uma determinada perspectiva. Já o termo "convicção" envolve essencialmente a retidão de princípios e, portanto, convicções pertencem ao domínio da moral. Convicções podem se tornar ideológicas quando envolvem o comprometimento com uma determinada causa. Uma doutrina é um conjunto de elementos que servem de base ou de referencial para algum sistema, que pode ser político, religioso ou de outra natureza. O termo "doutrina" vem do latim, "doctrina", que significa ensinança, instrução. O apego desmedido a uma determinada doutrina também pode conduzir à ideologia.

Toda ideologia envolve pelo menos três elementos: prescrição, racionalismo e idealização. Ideologias são construções racionais, isto é, nascem do exercício intelectual. Elas prescrevem uma série de medidas a serem adotadas para a consecução de um determinado fim, considerado como o "mais benéfico" para todos (ou para o maior número de pessoas). Esse fim é idealizado e, portanto, os construtos ideológicos priorizam a transformação ou mesmo a negação da realidade em nome de algo que supostamente será desejável. O ideal de um mundo onde não há desigualdade de nenhuma espécie e onde todas as relações humanas são pautadas pelo amor e pela fraternidade é considerado, por muitos, como um fim pelo qual vale a pena adotar qualquer meio. A "paz mundial", outro fim considerado altamente benéfico e desejável para todos, exalta os melhores sentimentos de jovens e de candidatas a misses ao redor do mundo.

Quando, através do exercício da razão, chega-se à elaboração de um conjunto de princípios que, caso implementados, conduzirão a um fim desejado, tal como a uma sociedade justa e fraterna, ou mesmo a um mundo livre de guerras, podemos estar diante de uma ideologia. O fim idealizado não será, necessariamente, condizente com a realidade. A razão, que é fundamental para a atividade científica, termina por negar a própria possibilidade do conhecimento científico quando não está limitada pelo real. Além do mais, a afirmação de que as coisas "deveriam ser" de uma determinada maneira confere ao postulante um alto grau de arrogância. Afinal, por que um certo indivíduo deverá saber o que é melhor para os demais?

Quem se compromete com a causa de construir uma sociedade justa, fraterna e harmoniosa está apenas defendendo a imposição, à humanidade inteira, do que uma certa pessoa ou um grupo limitado de pessoas entende por justiça, fraternidade e harmonia, a partir de uma série de mecanismos racionais que não têm comprometimento algum com a realidade. Quem não sabe realmente o que está fazendo, isto é, quem apenas adere a uma determinada corrente ideológica por impulso altruísta, está sendo ingênuo. Assim, quem realmente acredita na possibilidade de construir um "outro mundo possível" é tão cândido quanto quem realmente acredita que "o livre comércio vai pacificar o mundo".

O que nos resta quando nos afastamos das ideologias? Resta-nos o desejo de compreender melhor como o mundo funciona, para a partir daí identificar as melhores possibilidades para o desenvolvimento, a prosperidade e o bem-estar. É possível, portanto, ser prescritivo sem ser ideológico. Para tanto, há que ter a humildade de não colocar a razão acima da realidade e de ater-se ao que "é" em vez de defender o que se acredita que "deveria ser".

Silvio D'Amico