15/05/07

sobre Chávez, Fidel e Che

Texto de Josè de Osvaldo de Meira Penna
diplomata , escritor, Jornalista

Muita gente se espanta com o problema do estreitamento de nossas relações diplomáticas com a Venezuela e Cuba. Não vejo por que a surpresa pois Bolívar, o herói da independência da América espanhola, detestava o Império brasileiro - razão a mais para desfazer os mal-entendidos. Antes de morrer, deprimido e decepcionado no exílio, o Libertador profetizou que a Venezuela seria um quartel, a Colômbia uma Universidade e o Equador um convento.
Conheço bem o Equador e seus claustros - são obras de arte realmente excepcionais e o país geralmente pacífico, ao contrário de seus dois vizInhos. A Colômbia tem guerra civil e coca mas, com uma grande cultura universitária, demonstra ser uma das sociedades mais civilizadas do continente. A Venezuela é outra coisa. O país foi sucessivamente governado pelo general Monaga, pelo general Guzman Blanco, pelo general Joaquin Crespo, o general Cipriano Castro, o general Juan Vicente Gómez, o general López Contreras e o general Medina Angarita, assim confirmando o prognóstico pessimista de Bolívar. Juan Vicente Gómez inaugurou um sistema de governo original que foi, mais tarde, imitado pelo rei das Arábias, Ibn Saud. Todos os ministros, governadores, generais, almirantes, senadores, deputados, prefeitos, embaixadores, diretores de banco e outros altos dirigentes do país pertenciam à família do Chefe de Estado. A fidelidade al Tirano de los Andes estava assegurada e Gómez morreu na cama, em 1935, depois de governar durante 27 anos.
A partir de Medina Angarita, o país começou a reduzir as patentes. Veio o coronel Pérez Jiménez e, em breve fôlego democrático no governo da Actión Democrática que se permitiu mesmo criticar nosso regime militar, o nobre povo bolivariano entrou numa fria ao elevar ao poder um sargentão, Hugo Chávez Frias. Passemos, contudo, por cima da meteorologia e do fácil trocadilho, fazendo votos que não ocorra um embate mais grave entre o quartel da Venezuela e a universidade da Colômbia.
Comparando com a Venezuela, é Cuba mais interessante na imaginação de nossa Intelectuária da chamada Esquerda Escocesa, aquela que gosta de uísque. Explica-se. Sua natureza tropical é a única que pode, com a nossa, competir em beleza, conga, samba, alegria e belas praias. Última nação das Américas a se libertar do domínio colonial espanhol, com o auxílio dos ianques, Cuba manifestou seu reconhecimento pela autonomia conquistada, entregando-se sucessivamente à ditadura do sargento Batista, que eliminou a oficialidade do exército, e à do professor, Presidente, Führer, Duce e Marechal de Campo Fidel Castro, que eliminou a burguesia produtiva. Um sucesso incontestável em termos de Justiça Social…
Em 1962, a cabeça de ponte soviética nas Américas foi abalada pelo propósito grandioso de torná-la a base para os festejos com que Khruschev pretendia comemorar, com um fogo de artifício nuclear, a indissolúvel amizade dos sub-desenvolvidos de todo o mundo. No empenho de restabelecer, pelo turismo, os laços ambivalentes com o rico parceiro setentrional ao qual deve a independência, Fidel despachou para a Flórida doze milhões de “turistas” descontentes... As exportações cubanas limitam-se hoje a charutos e fotografias de El Che Guevara.
Havendo fracassado como Ministro da Indústria e Comércio de Cuba, o argentino de Rosário, Ernesto Gael Garcia Bernal de la Serna, filho de família rica que gostava de motocicletas (como é o caso de nosso cineasta Walter Salles) acabou convencendo-se que sua vocação não era nem para a medicina, na qual se formara, nem para a administração pública que Fidel lhe oferecera. Consta que suas desavenças com Fidel Castro cresceram, não obstante haver sido bem sucedido na arte de fuzilar adversários de encontro a el paredón, a tal ponto que o longevo ditador cubano resolveu dele livrar-se, enviando-o para uma missão impossível na “América Latrina” (uma expressão corriqueira de diplomatas aqui sediados). Consistia em subverter todo o continente. Modificando o famoso apelo de Marx aos proletários (os de prole numerosa), proclamou “Sub-desenvolvidos de todo o mundo, uni-vos!”. Durante dois anos desapareceu, enquanto aprendia aimara em vez de quéchua, para se fazer entender dos índios locais, um erro fatal. Deste modo, após ser martirizado pelo exército boliviano que o fuzilou, transformou-se no novo Cristo-Rei da Teologia da Libertação, estendido no chão de braços abertos como um Messias crucificado.
Depois da morte, el Che deixou como herança a Fidel Castro o projeto de subverter a África. Ali o espírito aventureiro do cubano (que inaugurou a moda da barba desgrenhada entre os políticos e diplomatas modernos) conseguiu, pelo menos, introduzir um novo método de controle da natalidade, a guerra subversiva de baixa intensidade. A belicosidade revolucionária só serve mesmo para o Planejamento Familiar pois controla a população sem objeções da Igreja, Arns, Bofe e Beto que o digam. Façam o amor, não a guerra. El Che bem merece então o renome de santidade que o cerca pois seu programa populista, cubano, sul-americano e africano magistralmente realizado por Fidel, reduziu, em pelo menos um ou dois milhões, a prolífica população de Angola, Moçambique e Etiópia... Hoje triunfa no imaginário super-aquecido dos frustrados barbudinhos esquerdóides.

Silvio D'Amico